Trabalho forçado e por gosto

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Nas suas Teses sobre o conceito de História, Walter Benjamin denuncia o efeito perverso do culto do trabalho associado a uma fé ingénua no progresso técnico: “Nada foi mais corruptor para o movimento operário alemão que a convicção de nadar no sentido da corrente. Ele tomou o desenvolvimento técnico pelo sentido da corrente. Desse ponto, não havia mais que um passo a dar para imaginar que o trabalho industrial representava um desempenho político. Com os operários alemães, sob uma forma secularizada, a velha ética protestante do labor celebrava a sua ressurreição […]. Esta concepção do trabalho não se detém na questão de saber como é que os produtos desse trabalho poderão servir aos próprios trabalhadores, uma vez que eles não podem dispor deles. Ela pode apenas encarar o progresso do domínio sobre a natureza, não as regressões da sociedade.”

Benjamim foi um dos poucos a tentar medir os prejuízos políticos causados pela sacralização do trabalho. Em “O direito à preguiça”, célebre brochura escrita em 1883 na prisão de Sainte-Pélagie, Paul Lafargue indignou-se com o grosseiro contra-senso de que o pensamento de Marx se tornara já então objecto. Denunciou “a paixão moribunda do trabalho levado até ao esgotamento das forças vitais do indivíduo”. Este culto do trabalho constituía aos seus olhos uma “estranha loucura”, uma “religião da abstinência” geradora de “corpos debilitados”, de “espíritos atrofiados” e de seres mutilados.

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Documents joints

  1. André Gorz, Misère du présent, richesse du possible, Paris, Galilée, 1997, p. 97.
  2. Hannah Arendt, Condition de l’homme moderne, Paris, Agora, 1994, p. 157.
  3. Karl Marx, Manuscrits de 1844, Paris, Éditions sociales, 1962.
  4. Pierre Naville, Le Nouveau Léviathan, Paris, Anthropos, tomo II, 1970, p. 407.
  5. Karl Marx, Contribution à la critique de l´économie politique, Paris, Éditions Sociales, 1977, p. 170. Ler também Jean-Louis Bertocchi, Marx et le sens du travail, Paris, La Dispute, 1996.
  6. Karl Marx, Manuscrits de 1857-1958, Paris, Éditions sociales, tomo II, p. 192.
  7. Ibidem, p. 148.
  8. Thomas Coutrot, L’Entreprise néo-liberale, nouvelle utopie capitaliste, Paris, La Découverte, 1998, pp. 223-224.
  9. [N.T. – As “leis Aubry”, são o pacote legislativo laboral impulsionado por Martine Aubry, que entre 1997 e 2000 foi ministra do Emprego e da Solidariedade no governo francês da “esquerda plural” de Lionel Jospin. Entre elas se destaca a pioneira lei das 35 horas semanais, muito contestada pelas associações patronais.]
  10. Gorz inventa a este propósito a noção de “composição orgânica do trabalho”, para exprimir a relação entre trabalho vivo e trabalho morto no processo de trabalho; esta relação seria uma componente da tendência geral para a elevação da composição orgânica do capital.
  11. [N.T. – Os intermitentes do espectáculo são pessoas que trabalham contratualmente para empresas de cinema, teatro, televisão e outras artes de público, alternando períodos de emprego e de desocupação. A sua situação é objecto de uma regulamentação única em França, mas tem dado lugar a conflitos agudos, como a greve nacional de 2003.]
  12. André Gorz, ob. cit., p. 90.
  13. Bernard Friot, Puissances du salariat, Paris, La Dispute, 1998, p. 265.
  14. Jean-Marc Ferry, L’Allocation universelle, pour un revenu de citoyenneté, Paris, Le Cerf, 1996, p. 151. [N.T. – Em França, o SMIC (salaire minimum interprofessionnel de croissance), é o salário mínimo nacional, actualizado todos os anos em Julho e que é neste momento de €8,44 à hora ou seja, por volta dos € 1.280 euros brutos mensais; o RMI (revenu minimum d’insertion) é uma alocação social para pessoas em idade activa sem rendimentos, cujo valor base para pessoas sós é de € 444,86 euros (€ 661,29 euros para casais), acrescendo depois consoante o número de crianças a cargo; o ASS (allocation spécifique de solidarité) é uma alocação de ajuda para pessoas activas não empregadas que esgotaram os seus direitos a seguro de desemprego, cujo montante normal é de € 14,51 euros por dia, ou seja, à volta de € 435,30 euros por mês.]
  15. [2.400 euros 1.200 francos franceses equivalem hoje, respectivamente, a 365,90 euros a 182,95 euros.]
  16. François Bourguignon e Yoland Bresson, Le Monde, 8 de Abril de 1997.
  17. André Gorz, ob. cit., p. 148.
  18. Ibidem, p. 169.
  19. Stavros Tombazos, Les temps du capital, Paris, Cahiers des saisons, 1994.
  20. André Gorz, ob. cit., p. 176.
  21. Leia-se, nomeadamente, Daniel Mothé, Le mythe du temps libéré, Temps libres et discriminations socioculturelles, em colectivo Le travail, quel avenir?, Paris, Gallimard, colecção Folio, 1997.
  22. Hannah Arendt, ob. cit., pp. 37-38.
  23. Ibidem, pp. 181-183.
  24. Karl Marx e Friedrich Engels, L’Idéologie allemande, ob. cit., p. 63.
  25. Do mesmo modo, a submissão ao princípio do rendimento não consegue apagar toda a inspiração lúdica do desporto de competição: se o espectáculo desportivo se reduzisse à exploração disciplinar do corpo e à encenação do seu desempenho, seria rapidamente incapaz de cumprir a sua função social de comunhão consensual.
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